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18 de Maio de 2024

O que se entende por audiência de custódia?

Publicado por Fabio Marques
há 8 anos

Resumidamente, trata-se de um instituto que permite ao juiz conferir a legalidade da prisão, analisando de maneira imediata (em até 24 horas após a segregação) a necessidade de conversão dessa prisão em flagrante em preventiva ou outra medida cautelar diversa, bem como verificar se os direitos dos presos foram respeitados (se não houve tortura, abusos etc.).

Durante a votação da Medida Cautelar na ADPF 347, em 2015, o STF reconheceu que o sistema carcerário do país vive um estado de coisas inconstitucional[1], razão pela qual, liminarmente, determinou que juízes e Tribunais de todo o país implementem, no prazo máximo de 90 dias, a audiência de custódia e que a União libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciario Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos[2].

É cediço que o Brasil encerrou, com a reforma do CPP de 2011 (Lei 12.403/2011), a chamada bipolaridade do sistema cautelar, de maneira que a prisão/segregação passou a ser exceção, isto é, a pessoa em conflito com a lei penal, em regra, antes do trânsito em julgado, somente será mantida presa quando presentes os requisitos da prisão preventiva ou pela inafiançabilidade do estado flagrancial.

Nesse passo, para assegurar os fundamentos legais e as finalidades para a aplicação e o acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão, o juiz deverá observar algumas diretrizes como, por exemplo, a legalidade, a subsidiariedade (princípio da intervenção penal mínima), a presunção de inocência (princípio da não culpa), a dignidade e liberdade (princípio da individualização da pena), a provisoriedade da sanção, entre outros.

Ao reconhecer a necessidade de implementação das audiências de custódia, em todo território nacional, o Supremo nada mais fez que determinar o cumprimento de norma já prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose, que em seu art. 7º, item 5, aduz que:

“Toda pessoa presa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em um prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”.

A bem da verdade, alguns tribunais já estavam cumprindo tais procedimentos.

Nessa perspectiva, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça e com o Ministério da Justiça, lançou o projeto Audiência de Custódia (através do Provimento Conjunto 3/2015).

Em resumo, com a apresentação do custodiado aos juízes dentro de 24 horas, possibilita-se avaliar se é necessário manter a pessoa presa; conceder fiança ou se cabe uma medida punitiva de caráter educativo (medidas cautelares diversas da prisão), ou seja, a Audiência de Custódia confere ao cidadão preso em flagrante o direito de ter seu caso revisto pessoalmente por um juiz, dentro de um prazo curto de tempo.

Na prática, a autoridade policial lavrará a prisão e o juiz controlará o procedimento, ouvindo-se as manifestações de um representante do Ministério Público e da defesa (Defensor Público ou Advogado).

Vale lembrar que nessa fase não é admitida a oitiva de testemunhas, embora possam ser juntados documentos para lastrear os pedidos.

O professor Aury Lopes Júnior lembra que essa audiência pode ter continuidade no tempo, citando, como exemplo, os casos de violência doméstica. Veja:

“É muito comum que nos casos de ação penal privada ou condicionada à representação a vítima seja instada a participar do ato. Nessa situação a Delegacia de Polícia já deve deixar a vítima ciente do ato judicial. Alguns juizados de violência doméstica já estipularam horários diários para apresentação do preso e orientam a autoridade policial que intime a vítima para comparecer oportunamente. Como a conduta recém aconteceu, em alguns casos, a vítima está sob efeito de forte emoção e solicita um prazo maior para decidir sobre a continuidade da ação penal. Claro que sabemos da decisão do Supremo Tribunal Federal no caso de lesões corporais, mas as condutas não se restringem a ela. Daí ser possível que ausente, por exemplo, comprovação da residência ou de vínculo certo do conduzido, possa-se redesignar a audiência”.

Aduz, ainda, o professor a respeito da viabilidade da audiência de custódia ser realizada por vídeoconferência, semelhante ao procedimento adotado por alguns estados americanos.

Imperioso mencionar que há um Projeto de Lei (554/2011), propondo a alteração do parágrafo 1º do artigo 306 do CPP incluindo a obrigatoriedade da realização de audiências de custódia no processo penal brasileiro, malgrado exista regramento em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, conforme visto alhures.

Notas e Referências:

ANDRADE, Mauro Fonseca & ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de custódia no processo penal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. P. 18

PAIVA, Caio & LOPES Jr. Aury. “Audiência de Custódia e a Imediata Apresentação do Preso ao Juiz: Rumo a Evolução Civilizatória do Processo Penal”. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, v. 1, p. 161-182, 2014.

SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano. Sobre o fio da navalha: a Justiça Criminal entre a eficiência e os direitos fundamentais. In: REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, vol. 103/2013.

TASSINARI, Clarissa. JURISDIÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL. Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

STRECK, Lênio L. Estado de coisas inconstitucional é uma nova forma de ativismo. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estado-coisas-inconstitucional-form...


[1] Quando há uma violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causada pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional instalada.

[2] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299385

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